Como ocorre
Seja oriunda da da dieta ou da síntese endógena (no fígado e nos rins, por exemplo), a glicose livre no sangue necessita ser transportada do meio extracelular para o intracelular para a sua utilização, visto que, as enzimas da glicólise e de outros processos metabólicos se encontram no interior das células. Como a membrana celular é impermeável à glicose, o seu transporte é realizado por transportadores de membrana SLC (do inglês ‘’solute carriers’’), das famílias GLUT (SLC2), SGLT (SLC5), SWEETs (SLC50) ou Spinster (SLC63) - sendo os dois últimos pouco presentes ou ausentes na espécie humana, respectivamente. Sendo assim, destacaremos as duas primeiras famílias de transportadores.
Família GLUT
A família GLUT (SLC2) é composta por 14 tipos de transportadores e é subdividida em três classes (I,II e III), sendo elas:
Classe I: GLUT1, GLUT2, GLUT3, GLUT4 e GLUT14
Classe II: GLUT5, GLUT7, GLUT9 e GLUT11
Classe III:GLUT, GLUT8, GLUT10, GLUT12
As três classes apresentam as seguintes características morfológicas em comum: são glicoproteínas; apresentam 12 domínios transmembranares, formando 6 voltas extracelulares e 5 intracelulares; as regiões N e C terminal encontram-se no citoplasma; os sítios de ligação localizam-se no sétimo, décimo e décimo primeiro domínios transmembranares. Entretanto, há algumas diferenças entre eles, como: i- a glicosilação localiza-se na primeira (classe I e II) ou na quinta (classe III) volta extracelular da cadeia; ii- o sinal dileucina ou YSRI é encontrado exclusivamente nos GLUTs da classe III, responsável em mantê-los, unicamente, em membranas intracelulares.
Além disso, transportadores do tipo GLUT realizam o transporte da glicose, ou possivelmente de outros açúcares, por meio do transporte facilitado (a favor do gradiente de concentração), sendo classificados, portanto, como sódio independentes. Deste modo, os principais transportadores GLUT em humanos são:
GLUT 1, Km= 1 mM para a glicose; apresenta alta afinidade pelo substrato; é encontrado na maioria dos tecidos, sendo as células sanguíneas, da barreira hematoencefálica, renais e tumorais as que mais expressam este GLUT.
GLUT 2, Km entre 15 e 20 mM para a glicose, ou seja, apresenta baixa afinidade; é encontrado em células do fígado, células beta-pancreáticas, intestino, rins, entre outros; apresenta capacidade glico-sensora.
GLUT 3, Km= 1 mM para a glicose, ou seja, alta afinidade; é encontrado em neurônios, células placentárias, testiculares e tumorais.
GLUT 4, Km= 5mM para a glicose, ou seja, baixa afinidade; é encontrado em tecidos sensíveis à insulina, como as células musculares estriadas esqueléticas, estriadas cardíacas e adipócitos. A insulina é responsável por “promover” inserção desse GLUT na membrana plasmática, visto que, ao se ligar ao receptor específico, desencadeia a sinalização celular, promovendo a exocitose e o aumento da concentração de transportadores GLUT4 na membrana celular, possibilitando, assim, maior captação de glicose (Figura 1).
GLUT 5, realiza majoritariamente o transporte de frutose, ao invés da glicose, e é encontrado principalmente em células do intestino delgado, testículos e do sangue.
Família SGLT
A família SGLT (SLC5) é composta por 12 tipos de transportadores, sendo os principais:
SGLT1, presente principalmente em células epiteliais do intestino delgado e células renais do túbulo proximal.
SGLT2, presente em diversos tecidos, entre eles: rins, fígado, cérebro, coração, tireóide e músculo esquelético.
Os transportadores do tipo SGLT também realizam o transporte da glicose através de transporte ativo secundário - com o simporte da glicose com íons sódio, a favor do gradiente de concentração de sódio, mas contra o da glicose;, são classificados, portanto, como sódio dependentes.
Dentro da célula
Após entrar na célula, a glicose pode seguir diferentes vias, de acordo com o hormônio atuante e a situação metabólica que cada célula se encontra . Portanto, a glicose pode ser:
Oxidada pela via glicolítica, resultando em piruvato, ATP e coenzimas reduzidas - NADH;
Oxidada pela via das pentoses-fosfato, resultando em ribose-5-fosfato e coenzimas reduzidas do tipo NADPH;
Utilizada na síntese de polímeros estruturais para a matriz extracelular e polissacarídeos da parede celular;
Armazenada na forma de polímeros de alta massa molecular (Ex: amido e glicogênio).
Na clínica
Existem diversas patologias associadas a defeitos nos transportadores de glicose, podendo ser de origem genética ou adquirida. Exemplos de defeitos genéticos que interferem na expressão dos transportadores de glicose:
Síndrome De Vivo: redução da concentração de transportadores GLUT 1 na membrana celular de células da barreira hemato encefálica em recém nascidos. Apresentam quadros convulsivos intensos, mas que melhoram em dieta cetogênica;
Doença de mal absorção de glicose-galactose: mutação, de herança autossômica recessiva, nos genes que codificam o transportador SGLT1; como consequência, há retenção de glicose, galactose e sódio no intestino, em decorrência da não absorção dessas moléculas, causando diarreia severa pela perda osmótica de água;
Glicosúria Renal Familiar: mutação, de herança autossômica dominante, nos genes que codificam o transportador SGLT, causando diferentes graus de poliúria, polidipsia e glicosúria e ausência de hiperglicemia.
Já, entre os defeitos adquiridos na expressão de transportadores, se destaca:
Diabetes Mellitus tipo I: é uma doença autoimune, com fatores genéticos, em que células do sistema imunológico destroem células beta-pancreáticas e, como resultado, não há a produção de insulina. Devido a isso, os transportadores GLUT4 não sofrem translocação e, consequentemente, não se encontram disponíveis na membrana celular para a captação da glicose extracelular. Assim, indivíduos com tal patologia apresentam regulação hormonal predominantemente pelo glucagon, ativando, assim, a gliconeogênese (produção de glicose) hepática e renal promovendo uma alta concentração de açúcar no sangue (hiperglicemia). Além disso, a ação do glucagon promove também a lipólise, contribuindo para uma alta concentração de ácidos graxos e corpos cetônicos (cetose) no sangue, bem como aumento da proteólise muscular esquelética. Assim, apesar da aplicação da insulina não promover uma cura da doença, ela promove uma maior estabilidade da gliconeogênese, lipólise e proteólise em portadores de diabetes mellitus tipo 1, garantindo-lhe uma melhor qualidade de vida por controlar a glicemia.
Diabetes Mellitus tipo II: é o mais comum entre os tipos de diabetes e ocorre geralmente em pessoas a partir da meia idade e, sobretudo, obesas. Essa patologia é causada pela resistência dos receptores à insulina , o que diminui a sinalização intracelular desse hormônio, ocasionando a redução ou não translocação dos transportadores GLUT 4 para a membrana celular. Assim como a diabetes tipo I, a do tipo II também gera hiperglicemia e hipertrigliceridemia.Entretanto, a cetose é menos frequente, visto que ainda existe uma pequena concentração de insulina nesses indivíduos, capaz de controlar a lipólise. Além disso, estudos revelam que a obesidade está intimamente ligada à diabetes mellitus tipo II porque quanto maior o tecido adiposo, maior a produção de TNF-alfa e resistina, os quais atuam no aumento da resistência à insulina. Diante disso, o tratamento mais recomendado para esta patologia é, principalmente, dieta, exercício físico e controle do peso corporal.
Referência Bibliográfica
DEVLIN, Thomas M. Textbook of biochemistry: with clinical correlations. 7th ed, 2002. New York: Wiley-Liss.
LEHNINGER, T. M., NELSON, D. L. & COX, M. M. Princípios de Bioquímica. 6ª Edição, 2014. Ed. Artmed.
LIZÁK, Beáta; SZARKA, András; KIM, Yejin; et al. Glucose Transport and Transporters in the Endomembranes. International Journal of Molecular Sciences, v. 20, n. 23, p. 5898, 2019. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6929180/>. Acesso em: 4 Aug. 2021.
Machado, U. F. (1998). Transportadores de glicose. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, 42(6), 413–421. https://doi.org/10.1590/S0004-27301998000600003 Vrhovac I, Breljak D, Sabolic I. Glucose transporters in the mammalian blood cells. Period Biol. 2014; 116:131–38.
ZACCARDI, Francesco; WEBB, David R; YATES, Thomas; et al. Pathophysiology of type 1 and type 2 diabetes mellitus: a 90-year perspective. Postgraduate Medical Journal, v. 92, n. 1084, p. 63–69, 2015. Disponível em: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26621825/>. Acesso em: 5 Aug. 2021.
Comments